25.8.09

Felt 3 - E o mistério continua



A dupla Murs (Living Legends) e Slug (Atmosphere) vem criando uma grande expectativa em torno do lançamento do terceiro disco do Felt. O projeto começou como uma brincadeira entre os rappers durante uma tour da Rhymesayers. Na mini-van da turnê que tinha entre outros Blueprint (Soul Position) e Brother Ali, começou uma enquete com os presentes, sobre quem ali tinha maiores chances de pegar a Christina Ricci. Como ninguém além da dupla, demonstrou algum interesse pela diva B, ambos decidiram fazer um disco para ver quem "fazia" a Ricci primeiro. Segundo eles: "FELT é uma colaboração musical com o objetivo a longo prazo de fazer sexo com atrizes B de Hollywood".


O primeiro volume então foi dedicado à musa inspiradora do projeto Christina Ricci (Minha Mãe é Uma Sereia, Edward Mãos de Tesoura, Família Adams) e teve a produção do The Grouch (Living Legends, G&E Music entre outros projetos).
Entre os destaques estão Hot Bars, Rick James. Em Suzane Vega há citação (quase paródia) do hit 80's "Luca" da cantora que dá nome à faixa. Gravado em apenas 8 dias e com apenas 10 faixas (sendo uma intro e uma outro), sempre considerei esse álbum um EP.


O segundo volume da série, dedicado a Lisa Bonnet (Coração Satânico, Alta Fidelidade), tem a produção capitaneada por Ant, parceiro de Slug no Atmosphere. É nesse volume que o projeto decola na minha opinião. Mais suingado, mais bem acabado, com uma estética mais L.A. segundo os próprios, tem faixas como Marving Gaye, Woman Tonight, Dirty Girl e I Shot Warhol. O volume 2 mostra que os rappers realmente começam a encontrar um caminho e o que no primeiro álbum soava mais como uma brincadeira entre amigos, ganha uma certa dose de consistência. Apesar de gostar da carreira solo de ambos, seus estilos bem distintos funcionam muito bem em conjunto, como um encontro de velhos amigos que rimam juntos há décadas.

Parte do mistério envolvendo o terceiro volume foi revelada com o anúncio do produtor do disco, o MC e produtor de Nova York Aesop Rock (Def Jux). No site da gravadora Rhymesayers está disponível a faixa Protagonists, primeira do álbum a ser compartilhada na rede, para download.

Há grandes rumores na rede de que será Rosie Perez - alguém aí se lembra?
A latina que dançava "Fight The Power" do Public Enemy na abertura do clássico "Faça a Coisa Certa" de Spike Lee, usando luvas de boxe? Agora é aguardar e esperar a revelação da "homenageada".

31.10.07

Superação - Na vida tudo é movimento

A ansiedade é enorme. Daqui uns 15 dias, o disco deve estar chegando da fábrica. depois de todo o processo de gravar um disco duplo, com 33 faixas, que envolvia a produção ou seleção dos instrumentais, a escrita das letras, os convites para as participações, as gravações propriamente ditas, mixar o material, masterizar, tirar fotos para a capa. O processo todo é longo, cansativo e envolve milhões de escolhas o tempo todo. E escolhas são dolorosas na maioria das vezes, mas a vida é assim, não dá pra ter tudo na vida. A dor também é um ingrediente necessário na vida.

Aí, quando você pensa que vai conseguir descansar, começa o novo processo: fechar parcerias para a distribuição, release, colocar um site no ar, criar um plano de divulgação, negociar com lojistas, ensaiar o repertório novo, montar um show. A lista de tarefas é interminável.

Minha opinião sobre esse disco é só uma:
É o trabalho mais consistente que eu já fiz na minha vida.

Quatro emcees que com a convivência, conseguiram algo raro nos grupos hoje em dia, que é unidade, sem perder a expressão individual. O grupo tá coeso, e quem ouvir o disco com atenção vai perceber isso.

Em relação à produção, tivemos contribuições muito importantes do Dario, DJ Caíque, Cabes e Nave e eu mesmo produzi algumas das faixas. Abaixo um faixa a faixa rápido do disco.


Disco 1 - Lista de Músicas

1 - Contratempos - A carta de intenções do grupo, num instrumental épico do DJ Caíque que tem um histórico de colaborações com a gente. Piano, hammond, synths, guitarras, vozes etéreas, o clima aqui é grandioso e progressivo.

2 - Território Inimigo - Clima de guerra, instrumental do Nave com strings e muita ambientação. Tiros, gritos de dor, bombas explodindo. Clímax do começo ao fim numa das faixas mais dramáticas do disco.

3 - Centro da Tempestade - Mágica que o Cabes fez, que é um beat com andamento lento, mas que dá a impressão de ser mais acelerado. Refrão clássico do Contra e flows pra cima.

4 - Obedeça - Instrumental soturno produzido por Munhoz. Guitarras com tremolo, flautas, num instrumental cinemático. Os emcees destilam um arsenal de imperativos em direção ao ouvinte. Técnicas de ensinamento subliminar no refrão.

5 - Contraponto - Munhoz no beats mais uma vez, dessa vez num groove 100% brazuca.
Diggin, Pixação, inspiração e dificuldades são os temas. Surpresas no trajeto, caminhe com atenção.

6 - Seguem Contra o Fluxo - Participação Shaw. Beat do Dario

7 - Alameda da Memória - Participação Rodrigo Brandão (Mamelo Sound Sistem) e Espião (Rua de Baixo) - Mais um beat Dario, dessa vez, soul ao extremo, com guitarras e vozes femininas, refrão rimado, refrão de colagens, e rimas que entram num túnel do tempo onde suas experiências pessoais e a história recente do rap se misturam. Se prepare para a nostalgia.

8 - Nem Tudo o que Brilha... - Munhoz num instrumental suingado e grandioso, com direito a strings e synth bem west coast, onde os emcees dão a sua visão sobre a cena atual com muita ironia. Refrão cantado e pra cima que resume a intenção do som.

9 - Independente - Cabes nos presenteia com um beat suave, onde rhodes, guitarras com wah e ximbais tercinados servem como pano de fundo, para os emcees fluirem sobre suas convicções.
Destaque para o refrão de colagens, onde o DJ Willian mostra porque é considerado um dos melhores DJ's de sua geração. O moleque rima com as mãos...

10 - Hora do Rush - Munhoz nos transporta em mais um instrumental cinemático onde os emcees relatam um fim de tarde em São Paulo. O clima é de caos. Mais uma vez DJ Willian mostra sua habilidade nos scratches.

11 - Sexta-feira - Passada a Hora do Rush, chega o momento de relaxar, encontrar os amigos, beber uma cerveja, aproveitar a noite. Participação de Bela Fernandez e Jeff. Instrumental de Munhoz. DJ Willian nos Cuts.

12 - Ruas - Aqui, Ogi, Nairóbi, Nave e Deja Vu, mostram um outro lado das ruas de SP e CWB.
Beat de Nave e riscos do DJ Willian.


13 - Medo - Nave novamente, mas dessa vez os convidados são Rick e Leco que junto a Munhoz e Ogi, nos falam sobre seus Medos.

14 - Provações - Parceria no beat de Ogi e Munhoz. Gravada inicialmente para uma coletânea de hip hop nacional que seria lançada no Japão, tem uma letra que mostra os emcees enxergando o mundo através dos olhos de um dekasegui. Munhoz e Jeff no Refrão.

15 - Corrente do Bem - Produção de Munhoz, num instrumental que nos remete à música brasileira, algo entre a bossa nova e o samba. Letra positiva e um refrão com uma melodia incomum nos dias de hoje.

16 - Verdes Montes - Dario num beat redentor. E é isso que a letra fala. Encontrar a redenção, um lugar pra descansar, jogar o corpo, no fim dessa caminhada. Mas ainda não chegou a hora.

Contra Fluxo escalado para o Indie Hip Hop 2007


Depois da apresentação na edição de 2005, abrindo para o Jurassic 5, qunado nos apresentamos como Contra Fluxo e Munhoz muita coisa aconteceu.

Muitas músicas depois, minha entrada definitiva pro grupo, shows em vários lugares país afora, começa uma fase nova. Uma fase de SuperAção. Novo disco, nova formação, novas músicas.

Você tem uma prévia em http://www.myspace.com/contrafluxo

Dá pra ir ouvindo as músicas e se preparando pro show. Estamos ensaiando feito malucos, preparando um show bacana pra todos que tem nos apoiado esse tempo todo.

Serviço:
INDIE HIP HOP!
15/12 - sábado - SHAWLIN, ELO DA CORRENTE e PHAROAHE MONCH
16/12 - domingo - PAU DE DÁ EM DOIDO, CONTRAFLUXO e PHAROAHE MONCH
Apresentação - RAPPIN HOOD e DJ PRIMO SESC Sto. André

12.7.07

Melâncolia de Inverno (Blue Sky Blue)


Sorte de Hoje
"A vida é uma droga, mas passa rápido".
Woody Allen

O Inverno chega e com ele, uma certa melancolia. Tempo de repensar a vida, a arte que faço, perceber as mudanças que a gente vai sofrendo com o decorrer dos anos.

Inadequação. Essa palavra me persegue. Talvez minha arte seja um veículo pra eu expressar minha inadequação nesse mundo estranho que a gente vive. Acabo de ler um romance policial (muito ruim por sinal), mas que me fez pensar algumas coisas. De como a gente nega uma série de coisas, e na essência, no fundo no fundo, tá apenas evitando um comprometimento.

O processo de fazer um disco pra mim (e olha que nunca fiz um meu de verdade), acaba sendo sempre um parto bem doloroso. Na época do Ascendência Mista isso já tinha acontecido. Possibilidades infinitas, a autocrítica sem fim, a total falta de perspectiva (de lançamento decente por exemplo). Aí, terminado o processo, vem uma ressaca ou depressão pós parto, se você preferir, e ela acontece exatamente no momento que você tem que começar a "trabalhar o disco", fazendo shows, divulgando, etc...

Somado a tudo isso o processo de se fazer um disco faz a gente reavaliar uma série de coisas, inclusive repensar qual vai ser o próximo passo.

A gente passa a vida se medindo pela régua do outro, olhando pra fora ao invés de olhar pra dentro. Descobri que a porta do mundo, no meu caso, tá dentro de mim. A maioria das pessoas que eu conheço que faz rap, fica se questionando (alguns fãs inclusive), o porque do rap "alternativo" simplesmente não alcança um público maior.

Posso aqui criar um milhão de teorias, botar a culpa em deus e o mundo, dizer que o rap no Brasil carrega um estigma ruim e que isso acaba prejudicando todo mundo, mas a real é bem mais simples.

A gente não tá comunicando. A gente não tá dizendo o que as pessoas querem ouvir. Não existe identificação, ou se existe é muito pouca. E quando digo o que as pessoas querem ouvir, não tô dizendo que a gente tem que nivelar por baixo.

Se as pessoas passassem a ser um pouco mais honestas e falassem o que realmente querem, alguém ía querer ouvir.

São dois os caminhos a seguir. Um deles é o caminho da ruptura, da confrontação, da provocação, da subversão de valores o outro é o que fala direto à emoção das pessoas.

Não tenho visto nem uma coisa ou outra. Nem confrontação real, nem nada que seja relevante pro público, que faça com que as pessoas se identifiquem. Não sinto que os artistas, tem sido honestos nem consigo mesmos nem com o seu público. O que enxergo é gente fazendo música pra agradar "a cena" ou tentando descobrir fórmulas de agradar o público.

O inverno avança, e a melancolia cresce.
Matéria-prima é o que não falta.

A verdade é que eu só queria conseguir criar canções que emocionassem as pessoas, como eu me emociono ouvindo o novo Wilco, Blue Sky Blue.
Jeff Tweedy fez canções de amor, pop, singelas, de um amor que se foi, mas que ainda acreditamos que pode voltar e entrar pela porta a qualquer momento...
Música atemporal. É de 2007 mas podia ser de 1977.

Ouvindo
Música: On And On And On
Artista: Wilco
Álbum: Blue Sky Blue [2007]

5.7.07

Flores Azuis, Vetores e Inadequação


(ilustração sobre foto de Guiga - guigaganjalize@hotmail.com)

Faz poucos dias que vi o filme "O Homem Duplo" [A Scanner Darkly, 2006, Richard Linklater - Antes do Pôr do Sol, Waking Life], baseado num conto do escritor Philip K. Dick.


“O Homem Duplo” se passa num futuro bem próximo (daqui a sete anos), quando o governo monitora as ações dos cidadãos usando como desculpa a dependência de uma super droga – a “substância D”. Policias disfarçados utilizam um traje (que mostra em frações de segundos, formas humanas que se alternam) que os cobre da cabeça aos pés e que esconde sua identidade.

No meio disso temos o personagem de Keanu Reeves – um policial disfarçado e viciado na substância D que é designado para vigiar sua própria casa, que ele divide com mais dois amigos e sua namorada.

Robert Downey Jr. (Chaplin, Zodiaco) e Woody Harelsson (O Povo Contra Larry Flint, Assassinos por Natureza), fazem os dois amigos "doidões" de Keanu, que se drogam o tempo todo, tem delírios paranóicos, e garantem boa parte dos momentos mais engraçados do filme.

Linklater e seu time de "outsiders" da indústria.

Downey Jr. chegou a ser considerado um dos maiores atores de sua geração, mas por conta dos frequentes problemas com drogas que o levaram a problemas com a justiça, que o levaram a ser internado em mais de uma ocasião para desintoxicação e resultaram num período de condicional de 3 anos.
Vai fazer o papel de Tony Starks na adaptação para o cinema do clássico personagem Marvel, Homem de Ferro previsto para o ano que vem.

Winona Rider forçou um hiato na sua carreira entre 2001 e 2005 após o episódio de shoplifting/cleptomania (Rabino Sobel alguém?).

Woody Harrelson é vegano ético e em paralelo à sua carreira como ator, é ativista. Entre as causa que defende estão questão ambientais, dos direitos do animais e em prol da legalização da marijuana no EUA.

Keanu Reeves de ascendência chinesa e havaiana, pai americano, mãe inglesa, naturalizados canadenses, nasceu no Beirute e tem uma irmã Australiana, mais globalizado impossível. Na trilogia Matrix, fez doações de boa parte dos seus rendimentos à equipe técnica e de efeitos especiais.

Resumindo:
Linklater, um time de outsiders, rotoscopia, paranóia, controle do Estado, e a questão das drogas , temas recorrentes a K. Dick num conto com fortes cores autobiográficas.

Devido ao processo de animação, tanto o prazo, quanto o orçamento do filme foram estourados. O diretor nas entrelinhas utilizou o filme para críticar a "doutrina Bush". Questões muito atuais, como o controle do estado, a supressão de direitos civis, etc...

Apesar de compartilhar da mesma técnica de animação e do mesmo diretor que "Waking Life", acho injusto compará-los. "A Scanner" é um filme muito mais bem acabado que "Waking Life", o que na verdade acaba sendo o seu ponto fraco. Em Waking Life não existe uma uniformidade visual no decorrer do filme, mas essa falta de uniformidade visual, nesse caso específico, servia ao roteiro, enriquecia o filme.

Extras
Os vários designers responsáveis por transformar Keanu e cia em "desenhos" explicam um pouco melhor o processo envolvido na criação do filme.
Entrevistas com os atores do filme, com as filhas do escritor que acompanharam o set de filmagens, imagens raras de K. Dick, entre outras coisas.

Ouvindo: Dr. Octagon (Kool Keith) - Blue Flowers

Mix DuContra na reta final.



Essa mixtape serve como aperitivo do disco "oficial", e como um anúncio de onde a gente tá em 2007. Músicas feitas na hora, novas parcerias, sons solo ou simplesmente material que sobrou ou que a gente não soube encaixar na temática do álbum, tão nesse disco.


Solos minhas, do Deja Vu, Mascote e Ogi, e participações no microfone de: Shawlin, Nel Sentimentum, Nairóbi, Rodrigo Brandão, Zorack, Rump, Geléia, Sarkasmo, Choco, Max B.O., Isabela Fernandes, Jamés Ventura e Rick e nos beats de Dário "Dadá Maravilha" Onesixteam, DJ Caíque, Professor M.Stereo, Ogi e Nave, eu acho que não precisa falar muito mais.

Essa semana terminam as gravações e aí é só o tempo de mixar, fechar a arte da capa e mandar prensar.

Assim que tiver tudo fechado, coloco a lista de faixas e a prévia da capa.

Abraço a todos

Munhoz no Reino Unido


Acaba de sair no último sábado dia 30 a coletânea promocional - Nova Música do Brasil, que faz parte do projeto Troca Brahma, que em 2007 está promovendo o intercâmbio entre artistas brasileiros e do Reino Unido.
Entrei nessa coletânea com um remix da música Até o Fim. Vou receber algumas cópias do disco nos próximos dias, então nesse meio tempo, vou pensar em alguma promoção (isso se alguém quizer o disco é lógico).

26.6.07

10 Promessas



Promessa número 1
Falar sobre os projetos em andamento, mais especificamente sobre o disco e a mixtape do Contrafluxo

Promessa número 2
Me disciplinar pra colocar coisas de assuntos diferentes em posts diferentes

Promessa número 3
Manter essa merda atualizada, mesmo que ninguém leia

Promessa número 4
Parar de fumar até o fim da vida

Promessa número 5
Parar de fazer promessas

Promessa número 6
Continuar sendo extremamente contraditório

Promessa número 7
Sair da internet e ir limpar o banheiro das gatas

Promessa número 8
Tomar banho e escovar os dentes todos os dias, comer verduras e legumes e ser um bom menino

Promessa número 9
Lavar toda a roupa suja

Promessa número 10
Fazer meu solo de uma vez por todas

23.6.07

Wayne Shorter - Criatividade e Mudança - 1968


Algum tempo atrás, no myspace, me deparei com esse ensaio do saxofonista Wayne Shorter no blog no Myspace do Jeff Parker (guitarrista, que entre outros projetos acompanha o Tortoise nas turnês) e motivado talvez pelo mesmo motivo que ele, decidi traduzir esse texto. É lógico que o texto deve ser lido como o que ele é - um texto do fim da década de 60. Hippies, guerra-fria, vietnã, a cena de jazz reduzida a poucos clubes.

Leiam com atenção e encontre os milhões de paralelos com os dias atuais. Depois, tire suas conclusões e me deixa um comentário, porque traduzir isso aí, foi uma "cansera braba".

O texto original você encontra aqui

Criatividade e Mudança
Por Wayne Shorter 12/12/1968

Arte. Arte como uma competição entre artistas. Eu tenho perguntado a mim mesmo como se sucedeu de a arte ter se tornado, de fato, uma coisa competitiva entre artistas. Eu imagino se os artistas escolhem competir entre sí, ou se eles são estimulados, empurrados, seduzidos a isso como um resultado da formação da nossa sociedade em particular?
Eu fico aqui imaginando se um jovem músico, ouvindo outro músico, tem um desejo instintivo de competir com o primeiro ou ao contrário, unir forças e comparar notas?
Eu fico aqui imaginando se ambos devem se reunir para comparar notas, e as notas de ambos serem apreciadas por um terceiro, o crítico. Devem essas duas partes darem importância pra o que o terceiro
acha ou diz, a ponto de se jogarem numa disputa apenas para agradá-lo?
Somado a tudo isso, o crítico em sí, fala a uma quarta parte, o público, e agradando à crítica, você agrada o público?

Eu fico aqui imaginando se uma votação ou concurso são válidos como forma de incentivar artistas à criação, a seguir em frente, ou apenas pra correr um quilômetro em menos de um minuto.

É a arte uma arte ou um esporte?

Eu penso que votações, prêmiações, Grammy’s e Oscars da vida, vem direto do sistema escolar – aquela estrelinha que você recebia no caderno, suas notas no colégio. Se conseguíssemos fugir do estigma que se produziu por conta do sistema de graduação, das notas, eu penso que nós teríamos uma maior compreensão do que uma pessoa faz, quando está criando algo.
Por exemplo, se uma pessoa ganha o primeiro lugar numa categoria relacionada a artes através de um sistema de votação, e ele se sente bem com isso, ele vai criar algo novo ou simplesmente perpetuar o resultado da votação?

É difícil fugir de votações ou aprovação, porque se sua arte em algum momento for apresentada em público, o aplauso tem o mesmo papel, só que numa escala menor. Alguns consideram o aplauso algo maior que uma citação ou um troféu. O aplauso é uma coisa gratificante para mim e para um monte de outros músicos. Alguns músicos negam isso, mas eu sei como eles se sentem lá no fundo.


Não vou dizer sinceramente que a falta de aplauso não é gratificante pra mim, porque seria errôneo dizer que a falta de aplausos significa falta de reconhecimento. Isso já aconteceu comigo com frequência, principalmente quando eu comecei minha carreira. Até hoje isso acontece comigo, vez por outra, mas, após o show quando desço do palco, alguém se aproxima e diz algo profundo sobre a música apresentada e não só sobre minha performance em particular. Essa pessoa cria a impressão de falar por toda a platéia e pode virar pra mim e dizer algo como: “Esse foi um set realmente profundo – muita coisa acontecendo”. Eu penso que nesse sentido ele estava dizendo, que não havia espaços pra aplauso – o público não queria perturbar a essência daquele momento.


Uma pessoa cria por conta do reconhecimento de uma massa, e, se ele é reconhecido, deixa de criar?

Me pergunto se um artista pode dar notas a sí mesmo, usando a sí mesmo como parâmetro? Talvez isso tenha que ser ensinado. Eu raramente tive um professor que me dissesse, “Vou te ensinar a se avaliar pelo que você é, te colocar frente a frente e, usar a você mesmo como a mola propulsora para o seu crescimento.” Você pode tirar forças, de um monte de lugares, da natureza por exemplo e não necessariamente de outras pessoas. É difícil de conseguir, mas uma vez que você sabe o que procura, e você começa a encontrar, algo realmente começa a acontecer. Se alguém já viu 2001: Uma Odisséia no Espaço, é como alcançar o monolito negro, o arquétipo do Por que, O que e Onde. Se você é curioso o suficiente sobre sí mesmo, não tem muito tempo de sobra pra saber o que o cara ao lado tá fazendo. Você não tenta competir com algo superficial ou exterior, não tá preocupado com o que o vizinho tá pensando. Eu penso que se os artistas aprenderem a usar a sí mesmos como parâmetro, o público vai ser obrigado a aprender a fazer o mesmo.
Quando eles vão a uma peça da Broadway, eles não precisam ler o que a crítica diz.

Quem decide o que é arte de qualidade?

Isto é algo altamente individual, com ou sem um grupo de pessoas se autoproclamando críticos ou uma audiência chamando a sí mesmo críticos. Muitas pessoas não querem pensar com a própria cabeça ou analisar algo por sí só, então eles se refugiam em votações e prêmios, fazem sua cabeça, e dessa maneira, acabam perdendo um monte de pessoas criativas, pessoas que tem algo a oferecer sem pedir nada em troca. Quando um artista cria, ele pode alimentar a alma, curar a alma, fazer as pessoas se sentirem bem, mas muitas das pessoas não estão abertas a ouvir as coisas com o coração aberto, mas com mentes computadorizadas, montadas e condicionadas pelo sistema que inclui prêmios e votações.


Eu me pego aqui pensando, se essas pessoas que acreditam em votações e premiações, acreditam que estão criando uma ponte, através de uma extensa massa de água, para os que não sabem nadar. As votações são como bóias de natação, você até começa com elas, mas em determinado momento, precisa abandoná-las. O que me preocupa é a perpetuação das pontes e bóias. Eu não acredito que o crítico, realmente perpetue isso, porém, ele se encontra numa posição privilegiada, no topo, onde a água nunca chega. A única pessoa que pode perpetuar isso, é a pessoa que precisa disso. Enquanto eu escrevo, tento não fazer nenhum tipo de julgamento, porque estamos todos no mesmo trilho, tudo é temporário.

Se eu tivesse que julgar, eu pegaria um lápis do tamanho do Sol, e colocava um ponto final no planeta Terra. Esse seria o julgamento supremo.

Se um crítico tem o trabalho de criticar e dar notas a discos, e ele está dividido entre dar ao disco A uma boa nota e ao disco B o contrário, e a razão pela qual ele está dividido, é a de que os músicos no disco B, apesar de não tão bons quanto os do A, estão realmente suando a camisa, e ele não quer mexer com o orgulho dos músicos do disco A, essa é uma coisa realmente complicada de lidar, especialmente se for seu trabalho. Seu trabalho e sua consciência... Sua consciência é um trabalho também. Se ele chega a uma conclusão e realmente dá ao disco A uma nota alta e ao disco B uma nota baixa, e os músicos do disco B, são realmente honestos consigo mesmos, eu penso que, apesar de se machucarem um pouco, honestidade consigo mesmo sempre é fortalecedora.

Mas os esforços de se conseguir uma maior pontuação da próxima vez vão desconectá-los da real criatividade?


Eu suponho que cada músico deve confiar em sí mesmo a respeito de que caminho seguir não importa o que digam terceiros.


É a criatividade algo bom, no sentido de originalidade?

Como você pode ser tão original, quando você anda de forma semelhante que seu pai ou mãe, ou tem a cor dos olhos do seu pai, ou faz um simples gesto e alguém diz “ Você fez exatamente como seu pai fazia.” Charlie Parker, por exemplo, disse que quando ele era jovem, seus ídolos no sax alto eram Rudy Vallee e Jimmy Dorsey. Se você já ouviu o Bird, e já ouviu Ruddy Vallee ou Jimmy Dorsey, eu penso que você tem que cavar muito fundo, arrancar várias camadas de papel de parede antes de encontrar alguma semelhança em som, abordagem ou técnica. Eu diria que a única coisa que confirma o que Bird disse sobre sua admiração seria a sofisticação da abordagem. É a sofisticação da Música Ocidentalizada, as Escalas Ocidentais. Mas vamos um pouco além. As escalas usadas no ocidente vieram da região da Grécia, Jerusalém e Oriente Médio. Elas são escalas mundiais na realidade. As pessoas aprendem música dessa maneira, separando a música Ocidental da Oriental, mas eu acho que tudo faz parte de um grande círculo. É difícil manter rótulos. Por exemplo, quando eu digo que Bird idolatrava Rudy Valee e Dorsey, algumas pessoas vão ficar satisfeistas e dizer “Ah, então foi daí que ele cavou!”. Mas eu sou pretenso a usar esses nomes como um trampolim na história, indo todo o caminho de volta até a explosão que iniciou o universo. Você não pode apenas prosseguir do que o Mr. X disse, você tem que fazer uma reflexão própria. Ouvimos com frequência a palavra “liberdade”, e se você pretende ser livre, o crítico tem que ser livre também. Vários críticos não consideram o fato de serem críticos como um trabalho. Pra alguns, é uma atividade puramente estética. Quando passam seus pensamentos pro papel, sobre algo que eles viram ou ouviram, eles mais do que viram ou ouviram. Eles se envolvem. Não estou dizendo que eles ficam tão envolvidos a ponto de se “influenciar”, porque um grande crítico sempre mantém um extraordinário senso de equilíbrio. Ao ler suas palavras no papel você pode achar que, realmente, ele não está criticando nada – suas palvras se converetm em algo poético, se tornam uma extensão da experiência artística. Ao mesmo tempo, ele não está colocando nada nem ninguém num pedestal.

A Arte vem primeiro – O Bebê, salve o Bebê!


Eu gostaria de retornar ao outro lado da competição – a união, o encontro, a comparação de notas. Quando eu tinha 16 anos, eu costumava comprar uma revista que tinha artigos sobre um músico que estava tocando essa nova música chamada bebop, e eu ouvi Charlie Parker e Bud Powell no rádio. Eu tinha que ir pra Nova York... por conta de ter lido sobre como as coisas começaram no Minton’s, onde aconteciam muitas reuniões e o lance da comparação de notas. Um número de músicos então saiu da pobreza . Eles moravam juntos, cozinhavam juntos... eles até ajudavam a pagar enterros. Hoje, os da década de 40 que conseguiram se manter, os que hoje tem os seus próprios grupos, sempre se lembram da irmandade que existia, mas por conta da fama conquistada, eles tem que viajar por estradas distintas. Existe uma certa ressureição disso hoje em dia entre os novos músicos – o desejo de estar junto.
Eles querem estar junto de outros em grande número - o lance das big band, dos estúdios. Alguns músicos tem estúdios onde eles dão aulas e ao mesmo tempo, eles usam esses espaços pra se reunirem com outros músicos, mas o lance da Jam Session se foi.

Essa era a outra forma de se reunir... apenas improvisando.

Eu ouço por todos os cantos do país, “Onde eu posso ir pra tocar, onde eu vou ser ouvido, como é em Nova York?” É sempre a velha questão, mas Nova York não é a mesma velha Nova York, ao ponto de ser o centro de quase tudo.
Quando eu finalmente fui pra Nova York nos dias que eu ía e voltava de Nova Jersey com meu trumpete, eu me lembro, um pouco antes de ser convocado pro exército, eu fui a um lugar chamado Café Bohemia. Charlie Parker havia morrido a pouco tempo, e eu entrei com meu trumpete. Havia um baterista que hoje em dia mora na Europa, um organista que acabava de chegar na cidade (ele é bem grande hoje em dia), e um saxofonista havia acabado de chegar. Eles estavam todos no palco com o Oscar Pettiford. Eu tive a chance de me juntar a eles. Todos mundo estava junto, havia uma sensação de apreço mútuo. Quando a gente saiu do palco, apertávamos as mãos e falávamos, e você podia ver o brilho no olhos dessas pessoas, como se eles tivessem fazendo planos de montar grupos. Eu estava me sentindo meio mal, porque estava indo pro Exército e me sentia excluído desses planos.

Quando fui pro exército, eu senti “Essa foi a última oportunidade de fazer uma Jam”, mas quando eu saí, as jam sessions ainda estavam lutando contra a extinção. Existiam jam sessions suficientes acontecendo, que músicos conhecidos vez por outra apareciam, pra conhecer pessoas e ver quem eles gostariam de contratar pra suas bandas.

Começar significa, ganhar confiança, se colocar num contexto. Estar à volta de músicos que estão tocando, encontrá-los, conversar com eles, você vai se condicionando. Você está assistindo como um músico anda em direção ao microfone e toca, ou como outro se desvia do foco de atenção. Você vai descobrindo através dos outros, como você gostaria de ser, porque a maneira como você é, afeta o que sai do seu trumpete. Você pode produzir muralhas de timidez, muralhas de falta de confiança, ou muralhas de muita confiança. Você vai ter que aprender a dosar tudo isso sozinho. Eu acho que eu tive muita sorte, porque quando eu estava no Exército, eu tive a chance de trabalhar com um dos mais conhecidos grupos. Eu estava situado no Leste, Forte Diz, então eu não estava tão distante do Blue Note na Philadelphia, tampouco de Nova York ou Washington, D.C. Eu estava lá uma noite, quando eu realmente ouvi Coltrane (Eu já havia ouvido ele anteriormente em Nova York, mas eu realmente ouvi ele naquela noite. Ele estava realmente rompendo com algo.) Eu podia estar em Nova York numa estada de fim-de-semana, tocando, e Coltrane podia aparecer do nada, e a gente conversava. Por isso, quando eu saí do Exército, Trane e eu passamos muito tempo juntos eu seu apartamento em Nova York. A gente passava muito tempo à volta do piano, e ele me explicava o que estava fazendo, o caminho que ele estava trilhando, coisas que ele estava tentando trabalhar. Nós passavamos dia e noite inteiros. Eu tocava o piano e ele mostrava os lances que estava trabalhando e vice-versa. Esse tipo de encontro não é tão comum nos dias de hoje. Talvez em alguns lugares de Nova York, músicos que moram no Village por exemplos, moram em galpões onde é possível acontecer esse tipo de encontro. Eu gostaria de ver mais disso. Eu gostaria de fomentar esse tipo de coisa. No meu próximo disco, eu gostaria de fazer algo grande, 19 ou 22 instrumentos, e ligar pros músicos e pedir auxílio na execução disso. Durante as gravações, eu gostaria de criar uma atmosfera diversa da de uma gravação normal. Eu tenho algo já escrito, mas quero gravar tudo com um espírito de jam session.

O termo “músico” pode se tornar uma couraça.

Você pode se tornar rígido e impessoal, mas ainda existe uma coisa humana ali. Por exemplo, dois músicos se encontram na Europa (isso sempre acontece em algum lugar), e eles pertencem a diferentes escolas, mas eles ficam felizes de se encontrar, de se comprimentar, falar. I tive uma longa conversa com um conhecido saxofonista, na Suiça – alguns o chamam de o pai do saxofone de jazz. Nós estavamos batendo um papo, quando eu lhe perguntei se ele estava bem, e logo que ele disse que estava tudo bem, ele começou a falar sobre economia. Era como se eu estivesse em casa conversando com um tio mais velho. Enquanto nós conversávamos, eu comecei a pensar em pessoas que admiram outras, um jovem fã de 17 anos por exemplo. Se ele vê um jovem músico que ele conhece, e um músico mais velho ele vai sentir “Nossa, eles estão juntos.” Eu costumava me sentir dessa maneira.


Nesse ponto da minha vida, quando eu vejo alguém que é famoso e notável, eu não quero nunca perder a memória do respeito que eu tinha quando era mais jovem. Eu não quero me tornar sofisticado ou confiante o suficiente ao ponto de dizer “Nós estamos nessa juntos” – por que isso é um orgulho bobo. Hoje em dia, quando eu estou na companhia de um grande número de músicos notáveis, eu me sinto confortável, e eu consigo vê-los como os seres humanos que são, me ver como um ser humano entre eles, e respeitar o legado que eles deixaram com o passar dos anos.

Pra onde a nova música está indo?

Eu não sei se isso é tão importante quanto de onde ela veio, porque se você sabe

de onde ela veio, ela já tá indo de qualquer maneira. Eu não gosto de rótulos, mas eu vou dizer “nova música” de qualquer jeito – olha só a confusão. Quando você tá tocando, a música não é apenas você e seu trumpete – a música é o microfone, a cadeira, a porta se abrindo, o foco das atenções, algo chacoalhando. Da alma pro Universo.
Eu vi algo na televisão onde existia um total envolvimento. Dois homens estavam discutindo o que estava prestes a acontecer. Então aconteceu uma pequena apresentação de ballet. A apresentação aconteceu, e as câmeras íam do ballet, pros dois caras que estavam discutindo, e eles eram parte do ballet, e ainda falando sobre. Eu gostei do que vi, como um começo.
Eu penso que esse é uma época muito excitante pra se viver. Algumas pessoas estão preocupadas com o fim das coisas. Então, como que do nada você ouve uma voz baixa dizendo “isso é uma renascença”. Estão acontecendo coisas que nunca aconteceram antes na história, e a arte vai refletir isso de alguma maneira. Tudo está extremamente acelerado, então as mudanças são perceptíveis, você sente sua própria mudança. Aqueles que não mudam, que se recusam a mudar, podem sentir que não estão passando por nenhuma mudança, e alguns deles não gostam. Toda vez que nós vamos pra Califórnia, eu sempre tento ir até Berkeley. Eu visito os dormitórios dos estudantes. Alguns deles chegam a ser até 14 anos mais jovens que eu, e todos são muito comunicativos. Eu acho mais simples ser eu mesmo, não tentar ser jovem. Nós estamos todos juntos. Ninguém me pergunta a idade.

Eles querem a mudança.

A respeito de algumas pessoas se sentirem relutantes a mudar pela melhoria de todos os envolvidos – eu acho que pessoas que sentem que é mais fácil mudar e evoluir, que não querem somente status, são capazes de crescer e seguir em frente. Uma pessoa estática sente dificuldade em mudar. No negócio que eu estou, nós vamos de um lado pra outro, viajamos como trovadores. Nós não estamos atados a nenhum estado, cidade ou vizinhança. Os estudantes que eu encontro na Califórnia, estudam em Berkeley, e moram lá, mas eu vejo que eles seguem se mudando. Eles vão pra San Francisco, depois pra L.A., aí sobem pra Seattle, de lá pra Nova York, e então de volta pra escola.

Eu vi a evidência de uma grande mudança quando fizemos dois concertos em Berkeley. Uma das mudanças foi que – o concerto estava sendo organizando por uma menina de 21 anos, chinesa, uma empresária de jazz. Ela me disse que ouvia jazz desde os 8 anos de idade. Ela organizou o concerto contra uma enorme oposição da direção da escola, a respeito do orçamento entre outras coisas, mas ela trabalhou e concretizou. Ela escalou os mais conhecidos nomes do Jazz. No último concerto que ela organizou, haviam 20.000 pessoas no Tetro Grego de Berkeley. A audiência era basicamente de rock & roll, e a maioria do público nunca havia visto os artistas antes e raramente havia ouvido os mesmos. E eu os vi voltando sua atenção pro Jazz, algo que eles nunca haviam ouvido. Eles deram a atenção às apresentações e ouviram com respeito até o ponto que todo o público começou a aplaudir de maneira selvagem.

Quando eu ouço um músico de jazz dizer “Bom, os jovens - o lance deles é o rock – eles não vão nem chegar a ouvir Jazz” – eu penso que eles vão mudar e crescer. O próprio rock tá mudando com eles. Eu tenho ouvido muitas coisas deles. Os “rótulos” estão sendo retirados das garrafas. Como eu disse sobre as diferentes escalas. Ocidentais e Gregas, é tudo uma mesma grande coisa. E vejo garotos com seu longos cabelos, barbas e sandálias, sentando bem em frente ao palco, e eles são parte de uma coisa chamada Jazz. Algo semelhante aconteceu em Nova York no Village Gate. Eu encontrei um monte de jovens lá, e eu conversei com um cara lá que tinha cabelo comprido, e tudo o mais. Eu vou descrever como o visual do cara e vocês vão ter que me dizer o que ele fazia. Ele tinha cabelo comprido, barba e bigode, um colar de contas, uma jaqueta de franjas, e uma faixa Apache na testa.


E ele escrevia Opera.


Ele veio pra ouvir essa música rotulada como jazz, e ele estava captando e unindo o que ele conhecia de música com o que ele ouvia por todo canto. Ele disse “eu tinha que estar aqui. É parte do que tá acontecendo.” Leste e Oeste eu vi a evidência de um encontro de mentalidades. A mudança que eu gosto é sempre a que une as pessoas. A pessoa que é rotulada de hippie ou rocker está quebrando com isso e retirando o rótulo. Os mais jovens vão olhar pros artistas que estão realmente fazendo algo e usá-los como guias, então não existe nada com que se preocupar.


Eu estou dizendo todas essas coisas, porque eu mesmo não gosto de ficar parado num lugar. Art Blakey uma vez me disse “A Música é como um rio. Ela deve fluir.” Quando alguém perguntar “Porque ela deve fluir?” a resposta é simples “Se um corpo de água não tem ponto de entrada ou escoadouro, ele está destinado a apodrecer”. Eu duvido que você encontre algo vivendo nele. Quem beber dessa água vai ter uma diarréia horrível, ou então vai direto pra sete palmos abaixo da terra. Qualquer pessoa pode ver que ele está podre. Se ninguém enxerga, é porque existe muita “maquiagem”. Você pode ser ensinado a saber coisas, e você pode ser ensinado a não saber também. Se você acha que não está estagnado, faça uma auto-análise.

Quando tocamos em Berkeley, com uma orquestra de 19 músicos, eu olhei para o público, eu olhei pra Miles, eu olhei pra Gil Evans, eu olhei pra menina de 19 anos que estava tocando harpa, então no naipe de French Horns havia um senhor de cabelos brancos, havia uma senhora de meia-idade tocando ao lado dele, e então eu olhei pra Howard Johnson na tuba, e disse “Todas as idades, todas as idades aqui, e nós estamos tendo um baile com som” Ninguém se questionou “O que que é isso – Isso não é normal”. A jovem harpista apenas perguntava algumas questões técnicas e isso era tudo. Isso acontece na música, o intercâmbio entre as pessoas. Eu vi vida surgir aquela noite. Eu gostaria de ver isso entre jovens e mais velhos por todo o mundo. A juventude não consegue pôr suas mãos nos tanques de guerra, não tem acesso aos planos do Pentágono ou do Kremlin, não consegue colocar as mãos nos botões, não tem acesso a poder material, mas se os mais velhos estão tão nervosos sobre os jovens, e eles não estão nervosos a respeito do poder que tem em mãos, evidentemente o poder espiritual dos jovens está incomodando alguém.

Recentemente eu estava procurando algum lugar pra comprar roupas, e eu encontrei um lugar em Nova York onde vários jovens se reúnem. Uma coisa chamou minha atenção logo que eu entrei – eles estavam tocando discos na loja. Todos olhavam as roupas e alguns meio que balançavam e se deixavam levar pela música. Numa outra ocasião eu voltei à loja – e ningué estava comprando, todos dançavam, e o dono dançava também. Ele disse “Bem, o principal é se divertir, conquanto eu sobreviva.” Ele não se preocupa se alguém entra na loja e não compra. Eles irão comprar ou trocar algo eventualmente e ao mesmo tempo, irão trocar um pouco de felicidade. Eu gosto desse enfoque. O mesmo espírito – quebrar algo que se encontra rígido – acontece ao palco de vez em quando. Quando o público é óbviamente careta eu sei que os músico se sentem compelidos a se jogarem na música e quebrar o gelo.

A Vida pra mim é como uma arte, porque a vida foi criada por um artista, O Arquiteto Chefe. Algumas pessoas só conseguem ligar sua alma à Deus. Parece que se eles só conseguem isso no momento que vão à igreja, ou quando passam por dificuldades. Eles pensam que a alma em relação ao universo tem que ter alguma relação com religião o tempo todo. Eu penso que parte da rigidez que nós vemos é devida a isso, pelo fato deles não relacionarem a alma deles a uma mesa por exemplo. Eles não vêem nenhum uso prático em relacionar a própria alma a uma mesa ou a um inseto num peitoril, ou a músicos num palco, ou a uma foto na parede, ou a sal e pimenta. Você pode argumentar que isso é ir do sublime ao ridículo, mas é mesmo? É como dizer “Um pássaro não voa porque tem asas. Ele tem asas porque voa.”
Pessoas que presas à rigidez pensam em questões, questões de grande amplitude, o questionamento de como se sustentar, a questão da criminalidade nas ruas. As questões acabam se tornando um obstáculo- a questão de convidar alguém pra vir até sua casa para um jantar.

O que é uma postura e como você muda uma postura?

Eles dizem como você pode mediar posturas, mas quando você deixa de lado as inibições e vai direto ao fundamental, você diz “Vem comer aqui em casa.” Algumas pessoas dizem “Eu não quero ser associado com com música “outside”. Eu não tenho nada a ver com isso”. O que eu ouço dos mais jovens é, quem precisa desses obstáculos, tudo é tudo, deixa estar, vamos fazer a qualquer hora, se eu não conseguir te achar amanhã, assim que der...


Entre essas pessoas não existe espaço pra inveja como uma força, ciúmes entre homens e mulheres, ciúme de coisas. Eu gosto de chamar a inveja de uma raiva emocional, e ela existe muito entre os mais velhos. Nos últimos anos eu não tenho ouvido a palavra “inveja” sendo usada entre os mais jovens. Quando eu olho pros seriados na TV, eu vejo que eles tem perpetuado conflitos que os mais jovens praticamente eliminaram de suas vidas.

Eu não posso falar de música, nesse estágio da minha vida, sem colocar ela num contexto mais amplo. Eu não posso falar a respeito dos qualidades ou defeitos sociais sem inserir algo sobre arte. Muitos músicos que começaram mais ou menos na mesma época que eu, quando não estão tocando, estão cuidando do lado empresarial de suas carreiras, da papelada, dos aspectos legais da profissão. Por um longo período eu costumava ouvir “Tudo o que você deve fazer é tocar, o negócio toma conta de sí próprio, você terá quem se preocupe disso por você.” Eu penso que os músicos hoje em dia devem ler a respeito de negócios, leis de copyright, etc... Eles devem saber o que certas palavras significam, e não simplesmente olharem para o número de zeros seguidos de um digito e um cifrão quando lêem um contrato. Eu me pergunto quantos músicos hoje em dia pensaram em esboçar um testamento.

Música sempre teve um papel grande nas invenções.

Eu penso que algo vai surgir, como uma extensão do aparelho de TV e eu acredito que a música vai ter um papel importante nisso. Junto com essas invenções, junto vem uma reforma, uma correção na sua visão profissional. Eu escrevi à Washington pra que a lei que regulamenta as Jukeboxes fosse regulamentada, e eu sei que Stan Kenton está trabalhando nisso. Isso, e os royalties para a maneira como um artista interpreta uma certa obra musical. Ninguém está ganhando nenhum royaltie das jukeboxes. A lei de copyright diz que os royalties devem ser distribuídos aos artistas no evento de qualquer reprodução mecânica e um som musical. Se a lei não for aprovada, qualquer um que inventar algo para reproduzir música pode olhar para as jukeboxes como uma brecha, visto que seria vantajoso não pagar às pessoas cuja música está sendo reproduzida. Eu mencionei a idéia de “total envolvimento.” Tudo o que eu disse a respeito de arte, juventude, negócios, indica que a música e o músico de hoje estará totalmente envolvido. Nem ele tampouco sua arte ficarão confinados ao palco.

18.6.07

Campinas e o Encontro com Salvador

Seguindo a tour Balanço 07, aportamos em Campinas. Atrasos na viagem, cansaço acumulado, alguns problemas técnicos e aí acontece o que o Espião sempre diz "Merda, tem um limite pra acontecer", resultado?

Um dos melhores shows da turnê (várias datas seguidas é assim, parece que vai aquecendo). Platéia extremamente receptiva, show impecável técnicamente, e ainda com aparição surpresa do Jorge Du Peixe que invadiu o palco e cantou a parte dele na Zulu/Zumbi.
A partir desse momento foi 220V e a gente só teve que fechar a fatura com Vô Q Vô e deixar o palco pra Nação.

Nação que vinha de Itabira e que pelo horário e o cansaço, acabou subindo ao palco sem passar o som e fez um dos shows mais rock n roll dos 3 da turnê. Show aliás que a cada noite é único. Não é à toa que os caras se tornaram com o passar dos anos uma das bandas que mais merecem respeito nesse país.

E voltando à Sampa, domingão é dia de se encontrar com o Salvador!

Indo na Igreja, ou ao culto?

Não, indo ao SESC Pompéia, encontrar os amigos e assistir Dom Salvador e seu quarteto, formado pelo próprio ao piano acompanhado de Duduca da Fonseca (bateria), Sérgio Barroso (contrabaixo acústico) e do americano Dick Oatts (saxofones tenor, barítono e flauta).

Uma lenda do Samba Jazz brasileiro, acompanhou vários artistas brasileiro com o seu Rio65 Trio e foi um dos criadores do grupo Abolição formado apenas por músicos negros, um dos precurssores do movimento Black Rio.

No show apresentou músicas de seu repertório como a lírica Rio Claro, dedicada a sua terra natal. Salvador e seu quarteto, mostraram que é possível unir a concepção harmônica do jazz, à música brasileira. A boa cozinha formada por Sérgio Barroso e Duduca servia de cama, pra improvisos ferozes de Salvador, que deu uma aula de ritmo, dinâmica e percorrendo todo o piano, mostrou as inúmeras abordagens que o instrumento proporciona.
Dick Oatts ficou com o papel de executar as linhas melódicas dos temas de Salvador, mas quando foi chamado a improvisar, mostrou a que veio, mostrando uma técnica muito boa ao tenor.

Depois de mais de 1 hora de show, Dom se despediu de uma platéia que o aplaudia de pé, e na sequência, volta pra um bis, e lança um tema de forte inspiração no choro. Na sequência, os outros músicos se juntam a ele, num Samba Jazz acelerado Duduca da Fonseca nos dá uma aula de como se tocar com as vassourinhas, alternando vários padrões rítmicos entre os espaços deixados pela banda, num jogo de pergunta e resposta interessante.

Todo mundo tem um Dom Salvador. O de Salvador foi salvar meu domingo.